segunda-feira, 23 de março de 2009

sexta-feira, 20 de março de 2009

Privada de seiva, esta delicada florescência definha e desfaz-se

"A solidão não é uma situação imutável em que eu me encontraria mergulhado desde o naufrágio do Virginie. É um meio corrosivo que age em mim lentamente, mas sem pausa, e num sentido puramene destrutivo.
No primeiro dia, eu transitava entre duas sociedades humanas igualmente imaginárias: o pessoal de bordo desaparecido e os habitantes da ilha, pois julgava-a povoada...
A ilha depois revelou-se deserta. Caminhei numa paisagem sem alma viva. Atrás de mim, mergulhava na noite o grupo dos meus infelizes companehiros. Já as suas vozes tinham a muito silenciado quando a minha começava apenas a cansar-se do solilóquio.
Desde aí, sigo com horrível fascínio o processo de desumanização cujo trabalho inexorável sinto em mim.
Sei agora que todos os homens trazem em si uma frágil e complexa montagem de hábitos, respostas, reflexos, mecanismos, preocupações, sonhos e implicações, que se formou, e vai se transformando, no premanente contato com os seus semelhantes. Privada de seiva, esta delicada florescência definha e desfaz-se. O próximo, coluna vertebral do meu universo... "

(sexta feira ou os limbos do pacífico, Michel Tournier)

quarta-feira, 18 de março de 2009

Todo Se Transforma

Tu beso se hizo calor,
(Teu beijo se fez em calor)
Luego el calor, movimiento,
(Logo o calor, em movimento,)
Luego gota de sudor
(Logo em gota de suor)
Que se hizo vapor, luego viento
(Que se fez em vapor, logo em vento)
Que en un rincón de la rioja
(Que num canto de algum riacho)
Movió el aspa de un molino
(Moveu a pá de um moinho)
Mientras se pisaba el vino
(Enquanto pisavam o vinho)
Que bebió tu boca roja.
(Que tua boca vermelha bebeu.)
Tu boca roja en la mía,
(Tua boca vermelha na minha,)
La copa que gira en mi mano,
(A taça que gira em minha mão,)
Y mientras el vino caía
(E enquanto o vinho caia)
Supe que de algún lejano
(Soube que de algum distante)
Rincón de otra galaxia,
(Canto de outra galáxia,)
El amor que me darías,
(O amor que me daria,)
Transformado, volvería
(Transformado, voltaria)
Un día a darte las gracias.
(Um dia a te dar graça.)

Cada uno da lo que recibe
(Cada um dá o que recebe)
Y luego recibe lo que da,
(E logo recebe o que dá,)
Nada es más simple,
(Nada é mais simples,)
No hay otra norma:
(Não há outra norma:)
Nada se pierde,
(Nada se perde,)
Todo se transforma.
(Tudo se transforma.)

El vino que pagué yo,
(O vinho que eu paguei,)
Con aquel euro italiano
(Com aquele euro italiano)
Que había estado en un vagón
(Que havia estado em um vagão)
Antes de estar en mi mano,
(Antes de estar na minha mão,)
Y antes de eso en torino,
(E antes disso em Torino,)
Y antes de torino, en prato,
(E antes de Torino, em Prato,)
Donde hicieron mi zapato
(Onde fizeram meu sapato)
Sobre el que caería el vino.
(Sobre o qual cairia o vinho.)
Zapato que en unas horas
(Sapato que em umas horas)
Buscaré bajo tu cama
(Buscarei debaixo de tua cama)
Con las luces de la aurora,
(Com as luzes da aurora,)
Junto a tus sandalias planas
(Junto a tuas sandálias baixas)
Que compraste aquella vez
(Que compraste aquela vez)
En salvador de bahía,
(Em Salvador na Bahia,)
Donde a otro diste el amor
(Onde a outro deste o amor)
Que hoy yo te devolvería.
(Que hoje eu lhe devolveria.)

Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da,
Nada es más simple,
No hay otra norma:
Nada se pierde,
Todo se transforma.

(Jorge Drexler)

segunda-feira, 9 de março de 2009

O outro

"Outrem é para nós um poderoso fator de distração, não apenas porque nos perturba constantemente e nos arranca ao pensamento atual, mais ainda porque a simples possibilidade do seu aparecimento lança um vago luar sobre um universo de objetos situados à margem da nossa atenção mas capaz a todo o momento de se lhe tornar o centro"...
"Em suma, outrem assegura as margens e transições do mundo. Ele é a doçura das contiguidades e semelhanças... Quando nos queixamos da maldade de outrem, esquecemos esta outra maldade mais temível ainda, aquela que teriam as coisas se não houvesse outrem. Ele relativiza o não sabido, o não percebido; pois outrem para mim introduz o signo do não percebido no que eu percebo, determinando-me a aprender o que não percebo como perceptível para outrem. Em todos estes sentidos é sempre por outrem que passa meu desejo e que meu desejo recebe um objeto".


(Gilles Deleuze, Michel Tournier e o Mundo sem Outrem)