sábado, 25 de abril de 2009

Aula de vôo

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O conhecimento caminha lento, feito lagarta.
Primeiro, não sabe que sabe e,
voraz, contenta-se com o cotidiano orvalho,
deixado nas folhas vividas das manhãs.

Depois pensa que sabe,
e se fecha em si mesmo:
faz muralhas, cava trincheiras, ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber,
levanta certeza na forma de muro,
orgulhando-se do seu casulo.

Até que, maduro, explode em vôos,
rindo do tempo que imaginava saber
ou guardava preso o que sabia.

Voa alto sua ousadia,
reconhecendo o suor dos séculos,
no orgalho de cada dia.

Mesmo o vôo mais belo
descobre um dia não ser eterno.

É tempo de acasalar,
voltar à terra com seus ovos,
à espera de novos e prosaicos lagartos.

O conhecimento é assim,
ri de si mesmo e de suas certezas.
É meta da forma, metamorfose,
movimento, fluir do tempo,
que tanto cria como arrasa.
E nos mostra que, para o vôo,
é preciso tanto o casulo como a asa.
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( mauro Iasi)
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quinta-feira, 16 de abril de 2009

Narciso

... o mal tem a ver com a fissura mesmo, do ser e do parecer. ...
É porque o homem é livre que ele pode desviar-se de si mesmo, optando pelo parecer.
Narciso seguramente se perde, já que tem o péssimo hábito de organizar o todo a partir de si.
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"... pois digo eu também que o vício é o amor da ordem, tomado em um sentido diferente. Há alguma ordem moral em todo lugar em que há sentimento e inteligência. A diferença é que o bom ordena-se em relação ao todo, e que o mau ordena o todo em relação a si. Este faz de si o centro de todas as coisas, aquele mede seu raio de ação e mantém-se na circunferência. Assim, ele é ordenado em relação ao centro comum que é Deus, e em relação a todos os círculos concênctricos que são as criaturas..." (Rousseau, Emilio ou da educação)
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É através do livre-arbítrio que o poder de se afastar de si mesmo, de subverter a ordem e de se perder eternamente se impõe. ... Aceitar e recuperar o lugar de cada um na ordem das coisas não só é fundamental porque determina a significação da existência e da conduta, mas também porque relativiza o ego. É porque reconhece seu pertencimento ao todo, ao cosmos, que o homem recupera o seu lugar e deixa de atuar como Narciso.
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"... Narciso é aquele que usurpa o lugar do outro, que, ao invés de se transportar empaticamente em direção ao Outro, mantendo a alteridade, visa no limite a supreção da alteridade, fazendo do outro mera projeção de si mesmo. ... O narcisista é aquele que usurpa os lugares, que tira o outro de dentro de si mesmo e cuja imaginação patológica é incapaz de levá-lo para fora do seu próprio círculo, impedindo-o de medir os seus limites e constituindo-se no princípio de destruição de toda vida comunitária efetiva" (Salinas Fortes).
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(in 'Jesus, Narciso, Sócrates', Amnéris)