sexta-feira, 20 de março de 2009

Privada de seiva, esta delicada florescência definha e desfaz-se

"A solidão não é uma situação imutável em que eu me encontraria mergulhado desde o naufrágio do Virginie. É um meio corrosivo que age em mim lentamente, mas sem pausa, e num sentido puramene destrutivo.
No primeiro dia, eu transitava entre duas sociedades humanas igualmente imaginárias: o pessoal de bordo desaparecido e os habitantes da ilha, pois julgava-a povoada...
A ilha depois revelou-se deserta. Caminhei numa paisagem sem alma viva. Atrás de mim, mergulhava na noite o grupo dos meus infelizes companehiros. Já as suas vozes tinham a muito silenciado quando a minha começava apenas a cansar-se do solilóquio.
Desde aí, sigo com horrível fascínio o processo de desumanização cujo trabalho inexorável sinto em mim.
Sei agora que todos os homens trazem em si uma frágil e complexa montagem de hábitos, respostas, reflexos, mecanismos, preocupações, sonhos e implicações, que se formou, e vai se transformando, no premanente contato com os seus semelhantes. Privada de seiva, esta delicada florescência definha e desfaz-se. O próximo, coluna vertebral do meu universo... "

(sexta feira ou os limbos do pacífico, Michel Tournier)

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